Especialistas alertam para impactos da má qualidade do ar em MT: tóxico

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Respirar em Mato Grosso, especialmente durante o período de estiagem, tem se tornado um desafio que vai muito além do desconforto da poeira e do cheiro de fumaça. A cada ano, o ar carregado por queimadas e baixa umidade ameaça a saúde da população, lota a rede pública de saúde e até causa mortes. Um estudo com pesquisadores da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) mostrou que, no ano de 2022, a qualidade do ar de Cuiabá estava próxima a de centros urbanos de São Paulo – como Congonhas, Osasco e Guarulhos. Dados do mesmo ano mostram também que Várzea Grande foi comparada ao município de Muzaffarnagar, na Índia, considerada a 15ª cidade mais poluída do mundo.

Fagner Alexandre

A pesquisa utilizou dados de 15 municípios mato-grossenses, analisados entre 2018 e 2022, sendo eles: Alta Floresta; Barra do Garças; Cáceres; Campo Novo do Parecis; Colíder; Cuiabá; Diamantino; Juara; Juína; Rondonópolis; Sinop; Sorriso; Tangará da Serra; Várzea Grande e Vila Rica. Segundo os pesquisadores, todas essas cidades ultrapassaram os limites de segurança do ar para Material Particulado 2,5 (MP2,5), definidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Conselho Nacional de Médio Ambiente (Conama). 

“Esses municípios [Cuiabá e Várzea Grande] apresentaram valores semelhantes ao da média anual de 2022 de algumas estações urbanas da grande São Paulo, como Congonhas, Osasco, Guarulhos – Pimentas, Marginal Tiete Ponte dos Remédios (> 50-75 µg.m-3) (CETESP, 2021). O município de Várzea Grande ultrapassou inclusive o município de Muzaffarnagar na Índia. Considerada a décima quinta cidade mais poluída do mundo com valores de 73,0 µg.m-3 (média do ano de 2022), essa cidade indiana tem como umas das causas de poluição do ar o uso de carvão de lenha para atividades domésticas. Já Várzea Grande é um polo industrial, apresenta mais de 197 mil veículos em sua frota e conta com o maior aeroporto do estado”, diz trecho da pesquisa.

Em entrevista ao , a bióloga, enfermeira e mestre em Ciências Ambientais, Maísa Consuelo dos Santos – uma das autoras do estudo -, explicou que a pesquisa foi possível devido aos dados disponibilizados pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema), que realizava a publicação de boletins de diagnóstico de qualidade do ar, entretanto esses boletins foram interrompidos em fevereiro de 2023.

“A gente conseguiu contextualizar a qualidade do ar desses municípios com outras cidades do mundo. Houve uma correlação significativa entre a poluição do ar. E aí a gente consegue entender as medidas simples de prevenção, quando a gente se expõe a essa a baixa qualidade do ar por um período prolongado. A gente consegue entender que a população vai responder com o aumento de atendimento nas unidades de saúde. Principalmente por doenças respiratórias”, aponta a pesquisadora.

Revista Brasileira de Climatologia

O que o ar leva aos pulmões

Para entender o risco, é preciso imaginar o funcionamento do próprio corpo. Ao , a pneumologista Keyla Maia explica que o pulmão é um órgão completamente exposto ao ambiente, logo, é o mais vulnerável nesse período.

“Se você esticar todos os alvéolos pulmonares, eles têm o tamanho de uma piscina semiolímpica. Essa estrutura foi feita para receber oxigênio e eliminar gás carbônico. Mas, junto com o ar, entram partículas que não deveriam estar ali. Quanto mais finas, mais fundo chegam, causando inflamações e abrindo espaço para bactérias”, detalhou.

Segundo a especialista, esse processo leva a uma reação em cadeia no corpo: o nariz resseca, surgem crises de sinusite, a tosse passa a ser constante, a garganta inflama e, em casos mais graves, o quadro evolui para bronquite e pneumonia.

Imagem gerada por Cecília Nobre, utilizando IA

“As doenças mais comuns nesse período são sinusite, bronquite e pneumonia. E os grupos mais vulneráveis são as crianças – que ainda estão desenvolvendo imunidade – e os idosos, que já vivem a queda natural da defesa do organismo”, acrescentou Keyla.

Conforme consta na pesquisa, a poluição do ar está associada a mais de 151 mil internações por doenças respiratórias e cardiovasculares em Mato Grosso no período analisado, além de 6 mil óbitos.

“Crianças e idosos têm sistemas respiratórios mais vulneráveis. A exposição prolongada a esse ar poluído pode significar não só crises respiratórias, mas também problemas cardíacos e até câncer”, destacou Maísa Santos.

Ainda de acordo com a pesquisadora, não são apenas os números que impressionam, pois quem vive nos grandes centros do estado sente o impacto no dia a dia. “Basta lembrar de Cáceres, em setembro do ano passado, quando às quatro da tarde o céu escureceu, fazendo o dia virar noite, por causa da fumaça . Aquilo foi assustador”, recordou Maísa.

O peso sobre a saúde pública

A consequência direta dessa realidade é vista na rede pública de saúde. Consultas de emergência aumentam, as internações ficam mais longas e os custos disparam. Estima-se que o impacto financeiro chegue a R$ 50 milhões por ano para o SUS. “As UPAs ficam lotadas. Já lidamos com a dengue, chikungunya, e ainda somam-se os casos respiratórios. O sistema não consegue oferecer um suporte confortável para a população”, afirmou a pneumologista Keyla Maia.

Diante desse cenário, as especialistas reforçam a importância dos cuidados diários na rotina para a prevenção. “Não adianta monitorar sem divulgar os dados. A população precisa ter acesso às informações para adotar medidas simples, como evitar sair de casa em dias de fumaça intensa, manter o ambiente úmido e se proteger”, disse Maísa.

Keyla Maia recomenda cuidados práticos que fazem diferença no cotidiano: “É fundamental hidratar o corpo e o ambiente. Vale usar toalhas molhadas, recipientes com água sob a cama ou umidificadores. E lembrar que o idoso muitas vezes não sente sede – alguém precisa oferecer água regularmente. Também é importante manter vacinas em dia, como a da gripe e a pneumocócica”, alertou.

Imagem gerada por Cecília Nobre, utilizando IA

A pesquisa conclui que Mato Grosso precisa de monitoramento constante da qualidade do ar, aliado a políticas públicas mais firmes contra queimadas e emissões. 

“Essa pesquisa foi feita por nós, primeiro, para trazer o diagnóstico de qualidade do ar desses 15 municípios que foram disponibilizados pela Sema – em forma de boletim aberto à comunidade. Segundo, para trazer o quão importante é a divulgação desses dados. A gente conseguiu fazer um compilado e estudar esses dados, baseados no que foi publicado pela Sema. Precisamos trazer a importância da divulgação porque esses boletins foram interrompidos. A divulgação deles, embora não tivesse uma periodicidade de divulgação, é de suma importância. É fundamental valorizar as pesquisas e garantir que os dados cheguem à comunidade. Só assim será possível reduzir internações e óbitos por doenças evitáveis”, reforçou Maísa.Entre na comunidade de WhatsApp do Rdnews e receba notícias em tempo real . (CLIQUE AQUI )

Link da Matéria – via RD News

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