Renúncia à propriedade imobiliária

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Rodinei Crescêncio/Rdnews

No ordenamento jurídico brasileiro, a propriedade é concebida como direito fundamental (art. 5º, XXII, CF/88), revestido de proteção constitucional, mas também submetido a deveres, especialmente quanto à sua função social (art. 5º, XXIII, CF/88). Dentro dessa moldura normativa, o Código Civil dispõe, em seu art. 1.275, II, que a propriedade se perde, entre outras hipóteses, pela renúncia.

Trata-se de figura admitida no ordenamento jurídico brasileiro e aplicável em hipóteses específicas, decorrente de ato voluntário do proprietário, notadamente quando a manutenção da titularidade do imóvel se revela inviável sob o prisma econômico ou operacional. Por se tratar de ato de disposição de direito real sobre imóvel, deve ser formalizada por escritura pública (art. 108 do Código Civil) e somente produz efeitos perante terceiros após o competente registro no Cartório de Registro de Imóveis. “ A renúncia à titularidade do direito de propriedade, pode parecer contraditória à primeira vista, mas revela-se, na prática, medida pragmática”

Não se confunde, convém frisar, com o abandono. Este, diferentemente da renúncia, pressupõe ausência de posse, omissão prolongada e não formalizada do proprietário, podendo ser presumido, por exemplo, pela inadimplência contínua de tributos. Já a renúncia exige manifestação expressa e inequívoca do proprietário, com efeitos erga omnes somente após o registro do ato na matrícula do imóvel.

Em determinadas situações, a renúncia configura-se como alternativa legítima e eficaz para a extinção da titularidade dominial. As obrigações pretéritas regularmente constituídas permanecem exigíveis, ao passo que as futuras, vinculadas à condição de proprietário (como ITR, IPTU e cotas condominiais), deixam de ser imputadas ao renunciante a partir do registro. Recomenda-se, inclusive, a comunicação da renúncia aos órgãos competentes, a fim de evitar lançamentos indevidos.

A renúncia à titularidade do direito de propriedade, pode parecer contraditória à primeira vista, mas revela-se, na prática, medida pragmática. Em regra, renuncia-se ao que se tornou um passivo: por exemplo, situações em que o proprietário possui apenas o título, sem qualquer exercício de posse, desconhece a localização do bem e tampouco possui perspectiva de exploração econômica.

Nesse cenário, não representa um gesto de desinteresse, mas uma reação consciente diante da inviabilidade fática ou econômica. O bem, uma vez renunciado, converte-se em res nullius (coisa de ninguém), tornando-se apto à arrecadação estatal após o decurso do prazo legal.

É necessário, entretanto, cautela. A renúncia não pode violar direitos de terceiros nem fraudar credores; a existência de ônus reais (hipoteca, usufruto, penhora etc.) pode exigir prévia baixa ou anuência, conforme o caso. Assim, é imperioso que o renunciante observe a regularidade do título. Além disso, por se tratar de ato de disposição de imóvel, em regra, exige-se a outorga conjugal, nos termos do art. 1.647, I, do Código Civil, salvo as hipóteses legalmente previstas (como a separação absoluta de bens).

Em realidades fundiárias complexas, com sobreposição de registros, georreferenciamento incompleto ou ocupações antigas, a renúncia pode servir, indiretamente, como mecanismo de racionalização patrimonial. Como não envolve transmissão, a escritura de renúncia não está sujeita à incidência de imposto de transmissão de bens imóveis.

Verifica-se, portanto, que a renúncia à propriedade imobiliária, embora inusual, é uma ferramenta legítima para os proprietários que, diante de entraves econômicos, tributários ou registrais, desejam, de forma legal e segura, desvincular-se de um imóvel. Trata-se de medida que exige planejamento, cautela e orientação profissional, pois envolve repercussões jurídicas e tributárias relevantes.

Ana Lacerda é advogada do escritório Advocacia Lacerda e escreve exclusivamente nesta coluna às quartas-feiras. E-mail: analacerda@advocacialacerda.com. Site: www.advocacialacerda.com

Link da Matéria – via RD News

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